Data: 11/07/2012
Local: Espaço Alpha Lux
Canal: Maria Silvia Orlovas
Áudio: ALPHA LUX 25 ANO 14 (mp3) - Clique aqui
Um dia eu passei fome. E houve muito sofrimento no meu caminho, na minha
trajetória.
Eu havia feito um voto de renúncia, eu me tornei um renunciante, só que
eu ainda era jovem, ainda era carregado de instintos, sonhos e desejos.
Eu resolvi renunciar, me tornar um renunciante, porque eu não tinha uma
solução para minha vida, para os meus problemas, eu não sabia como resolver as
minhas questões. E me tornar um renunciante foi uma fuga.
E um dia em que eu cortei os meus cabelos, eu recebi um prato, uma
caneca e uma colher. E me disseram que eu caminhasse, que me cabia caminhar, e
que a comida viria para mim. Que eu tinha que confiar, confiar profundamente em
Deus. Que sempre passaria pelo meu caminho uma boa alma. E essa Alma iria me
nutrir, me oferecer o alimento que eu precisasse. Iria me dar um cobertor se eu
sentisse frio, a água. Que Deus iria se manifestar e que eu teria isso tudo que
eu precisava. E eu fui caminhando...
No começo, eu não sabia o que doía mais, se eram os meus pés, se era o meu
estômago ou a minha cabeça. Porque tudo o que eu era, doía: os pés, de tanto
andar, a barriga, de fome... E a cabeça, de dor mesmo, dor física, não eram as
dores dos meus pensamentos, mas eles também me perturbavam. E muitas vezes,
meus pensamentos quiseram me roubar do caminho. E eu estive muito próximo de
fugir da minha renúncia.
O pensamento falava assim:
“Vai embora, você está louco? Quem que vai dar comida para você? Olha os seus
pés, estão machucados! Você nunca passou fome antes na sua vida, volta para sua
casa! Não importa que o seu pai fale coisas para você, que você seja
desrespeitado, isso vai passar, volte para sua casa! Volte para a casa dos seus
pais, se sujeite às regras deles!”
Mas eu não podia. No começo, o que me segurou no caminho espiritual, no
meu caminho de renúncia, foi o orgulho. Porque eu não podia voltar para trás e
me sujeitar a todas as críticas que eu iria ouvir. Eu não vinha de uma família
de crentes, a minha família não acreditava na vida espiritual, nem eu sabia se
eu acreditava na vida espiritual.
E aí eu comecei a questionar tudo, os meus votos. E comecei a pensar: “Ah,
o meu cabelo cresce! Ah, se eu voltar, eu vou tomar um banho, e meus pés, em
uma semana vão estar bons.”
E aí eu ficava imaginando como seria, eu voltar para a casa dos meus
pais, para a aldeia em que eu morava, para o meu grupo de amigos. Porque todos
tinham ficado muito impressionados com aquilo que eu tinha feito. Então foi o
orgulho que me segurou.
E aí eu passei a primeira noite quase que em claro, de tanto frio,
deitado no chão. E enquanto eu estava ali naquele canto, onde eu consegui me
alojar, pior que um cachorro, eu me lembrei das pessoas que eu não ajudei. Eu me
lembrei de tantas pessoas que passaram por mim e eu não tive uma palavra, um
toque, um sorriso, uma gentileza, uma oferta de compreensão ou de carinho,
quanto mais um cobertor ou um prato de sopa.
E me lembrei também (que noite longa) de tantos pratos de comida que a
minha mãe me ofereceu, e eu reclamei. Dizendo que era pouco, dizendo que não
gostava, dizendo que não comia isso ou aquilo. Lembrei do meu desrespeito a
ela, que não era uma santa, mas era a minha mãe.
E o dia amanheceu, e quando o dia amanheceu, eu estava tão irritado, com
tanta fome, tão cansado, mas não sei se foi o calor do sol que me aqueceu, e aí
sim, eu dormi.
E quem passou por mim me chamou de vagabundo. Eu não era mais um
renunciante, eu era um vagabundo. E quando eu ouvi aquilo, eu me pus a
caminhar, mas fui pensando: “Quantas vezes eu julguei errado as pessoas. Eu
olhei para as aparências de um fato, de uma situação, de uma pessoa... E nela
eu taxei a minha verdade. Quantas vezes eu fiz isso!”
E a semana foi passando.
Um dia ou outro eu contava com a boa vontade de alguém que me oferecia
um pão, um resto de comida, uma fruta.
Eu me lembro bem de um dia em que eu sentia muita fome, e passou por mim
um garotinho, chupando uma bala. E nós nos olhamos nos olhos, e ele tirou da
boca dele e pôs na minha boca. Quando que eu, na minha vida e no meu jeito de
ser e de pensar, chuparia a bala de uma outra pessoa que eu nem conhecia. Uma
bala que passou pelas mãozinhas sujas dele, que brincava no chão. Mas aquela
bala aliviou a dor da minha garganta e adoçou o meu coração, porque ele me deu
com amor.
Eu poderia passar dias a escrever muitas páginas num livro contanto para
vocês qual foi o meu prato do dia. Muitas vezes eu desejei ter o que lavar
daquele prato que nem sujo ficou. E entendi porque as vestes de um monge
são amarradas no corpo. Porque, de acordo com as penitências que a vida lhes
impõe, um monge pode emagrecer ou engordar.
E a minha experiência foi conviver com a restrição, porque eu não
reconhecia nada do que eu tinha, não reconhecia as pessoas a minha volta, eu
não tinha gratidão.
E não ter gratidão, não manifestar a gratidão, é um grande empecilho no
caminho espiritual. E eu não sabia olhar para os outros e ver o bem que me
faziam. Eu não sabia olhar para a vida e reconhecer as coisas que graciosamente
Deus me ofereceu.
Quando comecei a fazer as pazes com a minha própria escolha e com o meu
destino, depois de um tempo que eu não sei contar, a vida começou a ficar mais
fácil.
Um dia eu me sentei debaixo de uma mangueira, e comi tanto, tanto, tanto...
Fui tão feliz! Só que a gula teve um preço muito alto, e vocês já
imaginam no que se transformou aquela minha orgia gastronômica. E nesse dia eu
aprendi o poder da restrição também, de não se fartar, de não se deixar na
gula. A restrição nos ensina. Não apenas no alimento, mas em tudo da vida que
nós não temos.
O meu aprendizado foi de me abrir para os caminhos, de me abrir para a
fé.
E eu percebi que quanto mais eu deixava as coisas acontecerem, e ia
seguindo o meu percurso, mais facilmente eu entendia as lições que Deus estava
me colocando.
Porque, mesmo sendo um renunciante, eu tinha uma rota, eu tinha um
objetivo final.
Eu deveria chegar, no meu tempo, a um mosteiro, que ficava a muitos
quilômetros de distância.
E eu estou aqui hoje para dizer a vocês, que vocês também têm uma rota.
Vocês também têm um caminho, um objetivo final.
E esse caminho e objetivo final é a sua elevação espiritual, o seu
aprendizado.
E todas as pessoas e as restrições que elas colocam em suas vidas, e os
aprendizados que elas colocam em suas vidas, e a oferta que elas fazem para
vocês, de amor ou de dor, fazem parte de importantes lições que vocês devem
aprender.
Não esmoreçam e não se apeguem ao drama do dia.
Porque o drama do dia também irá passar. As noites sem dormir, também
irão passar. Uma mangueira carregada de belos e doces frutos, também vai
passar.
O que causa o grande sofrimento é o apego que vocês têm aos seus desejos
e a necessidade enorme de realização, daquilo que vocês criaram para vocês.
No momento em que vocês aceitam caminhar e viver, experimentando o prato
do dia, consumindo aquilo que Deus ofereceu para vocês, neste dia vocês serão
infinitamente mais leves e mais felizes.
E foi assim que eu fui me resolvendo... Eu amanhecia o dia, quando o sol
raiava, para ninguém me chamar de preguiçoso.
E quando esse sol raiava, eu perguntava pra Deus:
“E aí meu pai, qual será o prato do meu dia? Qual é o prato do dia?”
E aí eu caminhava, encontrava as pessoas, conversava com as crianças,
jogava com elas, ajudava aqueles que precisavam da minha ajuda. Deixei de ser
silencioso, porque eu passei uma época com muita raiva, mágoa mesmo, e aí eu
fiquei silencioso.
Mas não era um bom silencio, era um silêncio de dor.
Eu venci esse silêncio.
E aí, quando eu passava perto de alguém, eu cumprimentava, eu sorria.
E quando conversavam comigo, eu contava as minhas histórias, mas eu
tinha bons ouvidos para ouvir as histórias das pessoas.
Num certo momento eu apressei meu passo, imaginando como seria o
mosteiro, porque eu já estava perto. E a sabedoria Divina também me mostrou que
eu podia serenar o meu passo e aproveitar mais as experiências, e reconhecer
que eu também tinha medo de chegar ao objetivo final, porque eu não sabia o que
depois a vida iria me reservar.
Foram muitas experiências. Eu ouvi aquilo que estava de fora de mim, e
aprendi a ouvir aquilo que vinha de dentro de mim.
Meus amados irmãos, a lição que eu deixo aqui hoje é para vocês
saborearem o prato do dia, reconhecendo o que lhes é oferecido hoje por Deus,
pelo Universo, pela Vida, pelos seus Irmãos.
E se é isso que lhes cabe hoje, façam bom uso, mas não comam demais.
Comam apenas, aquilo que lhes pode saciar. E se por acaso a comida de hoje não
for boa, for uma comida estragada, deixem de lado, porque vocês também podem
fazer isso.
E, ao contrário, se a comida for boa demais, cuidado, lembrem-se das minhas
mangas.
Um monge, como eu, tem muitas histórias, porque o caminho é longo. Mas
eu descobri que o mosteiro, para chegar até o mosteiro, eu tinha que ter dentro
de mim uma grande paz, um grande amor, uma grande consciência...
De ser de Luz, de ser de Paz, de ser de Amor. E é isso que eu desejo a
vocês.
Vocês, cada um de vocês é uma lamparina acesa no seu mundo.
Nunca se menosprezem!
Cada um de vocês é uma lamparina, na sua casa, na sua família, com os
seus filhos, com os seus irmãos, com os seus amigos, com os desafios do seu
trabalho, com o seu marido, com a sua esposa. Cada um de vocês é um Ser de Luz.
Não evitem as pessoas, nem os problemas que elas trazem.
Vão com Luz, com Amor, com Paz, resolvendo cada uma das questões.
Aproveitando, como puderem, com sabedoria, o prato do dia.
Eu sou Lanto.
E na energia dos Budas, de todos aqueles da minha linhagem, que se
iluminaram na sabedoria, eu abençoo vocês, com o meu Amor e a minha Luz.
Tenham Paz.
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